O sentido é o que interessa,
que fascina e inquieta em Arcimboldo.
As “unidades” de uma língua estão lá, na tela; contrariamente aos fonemas da linguagem articulada, já têm um sentido: são coisas nomeáveis: frutos, flores, ramos, peixes, feixes, livros, crianças, etc.; combinadas, essas unidades produzem um sentido unitário; mas esse segundo sentido, com efeito, desdobra-se:
por um lado leio uma cabeça humana, leio também e ao mesmo tempo um outro sentido completamente diferente, que vem de uma região diferente do léxico:
verão, inverno, outono, primavera, cozinheiro, Calvino, água, fogo;
ora, este sentido propriamente alegórico não posso concebê-lo senão ao referir-me ao sentido das primeiras unidades: são os frutos que fazem o inverno, os peixes que fazem a água.
Eis já três sentidos numa mesma imagem; os dois primeiros são, se assim pode dizer, denotados, pois para se produzirem nada explicam de diferentes senão o trabalho de minha percepção, enquanto se articula imediatamente sobre um léxico.
para ler a cabeça do verão ou Calvino, preciso de uma outra cultura que não a do dicionário, preciso de uma cultura metonímica, que me faça associar certos frutos e não outros, ao verão ou ainda mais sutilmente, a fealdade austera de um rosto ao puritanismo calvinista; e apartir do momento em que se troca o dicionário de palavras por uma lista de sentidos culturais, de associações de idéias, em resumo, por uma enciclopédia de idéias recebidas, entra-se no campo infinito das conotações.
A conotação abre um processo de sentido; a partir do sentido alegórico, outros sentidos são possíveis, surgindo dos movimentos do corpo.
O mal estar, o riso, o desejo entram na festa. (Barthes, O óbvio e o obtuso, p.146)
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