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Esse é um jogo escrito de trás para frente, de um lado para o outro, em zigue zague. E o leitor, como um jogador, pode escolher que caminho tomar nesse labirinto, ou bosque de caminhos que se bifurcam. Nos corredores laterais nossos convidados especiais comentam a partida.
Todos podem escrever, citar e indicar novos caminhos, nessa caixa de surpresas móvel e mutante. Envie suas sugestões através dos comentários abaixo de cada post. Siga os coelhos brancos.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Sentido alegórico

O sentido é o que interessa,
que fascina e inquieta em Arcimboldo.



As “unidades” de uma língua estão lá, na tela; contrariamente aos fonemas da linguagem articulada, já têm um sentido: são coisas nomeáveis: frutos, flores, ramos, peixes, feixes, livros, crianças, etc.; combinadas, essas unidades produzem um sentido unitário; mas esse segundo sentido, com efeito, desdobra-se:







por um lado leio uma cabeça humana, leio também e ao mesmo tempo um outro sentido completamente diferente, que vem de uma região diferente do léxico:
verão, inverno, outono, primavera, cozinheiro, Calvino, água, fogo;


ora, este sentido propriamente alegórico não posso concebê-lo senão ao referir-me ao sentido das primeiras unidades: são os frutos que fazem o inverno, os peixes que fazem a água.


Eis já três sentidos numa mesma imagem; os dois primeiros são, se assim pode dizer, denotados, pois para se produzirem nada explicam de diferentes senão o trabalho de minha percepção, enquanto se articula imediatamente sobre um léxico.




Completamente diferente é o terceiro sentido, o sentido alegórico:

para ler a cabeça do verão ou Calvino, preciso de uma outra cultura que não a do dicionário, preciso de uma cultura metonímica, que me faça associar certos frutos e não outros, ao verão ou ainda mais sutilmente, a fealdade austera de um rosto ao puritanismo calvinista; e apartir do momento em que se troca o dicionário de palavras por uma lista de sentidos culturais, de associações de idéias, em resumo, por uma enciclopédia de idéias recebidas, entra-se no campo infinito das conotações.


A conotação abre um processo de sentido; a partir do sentido alegórico, outros sentidos são possíveis, surgindo dos movimentos do corpo.


Eu leio,
eu adivinho,
eu encontro,
eu compreendo,
mas também:
eu gosto,
eu não gosto.




O mal estar, o riso, o desejo entram na festa. (Barthes, O óbvio e o obtuso, p.146)


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