O princípio dos monstros arcimboldescos é, em suma que a natureza não para. Vejam a primavera; é normal, depois de tudo, que seja representada sob a forma de uma mulher penteada com um chapéu de flores; mas Arcimboldo continua; as flores descem do objeto para o corpo, invadem a pele, fazem a pele: é uma lepra de flores que se alastra pelo rosto, pelo pescoço, pelo busto. (Barthes, O óbvio e o obtuso, 149)
Primavera
Os efeitos que a arte de Arcimboldo provoca em nós são muitas vezes repulsivos.
Vejamos o inverno: este cogumelo entre os lábios parece um órgão hipertrofiado, canceroso, horrível: vejo o rosto de um homem que acaba de morrer, com uma pêra de angústia enterrada até à asfixia na boca. (Barthes, O óbvio e o obtuso, p.146)
A carne arcimboldesca é sempre excessiva: ou devastada, ou esfolada, ou inchada, ou inexpressiva, morte. O que, nem uma cabeça graciosa? A primavera, pelo menos essa, não pede uma composição feliz?
Sem dúvida, a primavera está atapetada de flores; mas pode-se dizer que Arcimboldo desmistifica a flor.
Reduzida a uma superfície, a extensão floral torna-se facilmente a eflorescência de um estado mais perturbador da matéria; a decomposição produz pulverulencias (flores de enxofre) e bolores que se assemelham a flores; as doenças de pele fazem muitas vezes pensar em flores tatuadas. Por isso, a primavera de Arcimboldo acaba por se encarnar numa grande figura esbranquiçada, atingida por uma doença sofisticada. (Barthes, O óbvio e o obtuso, p.147)
Inverno
A água é sempre um tema maternal, a fluidez é uma felicidade; mas para dar a alegoria da água, Arcimboldo imagina formas contrárias: a água, para ele, são peixes, crustáceos, todo um amontoado de formas duras, descontínuas, aceradas ou abauladas: a água é propriamente monstruosa.
Água
A mistura de coisas vivas (vegetais, animais, crianças), dispostas numa desordem cerrada (antes de atingirem a inteligibilidade da figura final) evoca toda uma vida larvar, a desordem dos seres vegetativos, vermes, fetos, vísceras, que estão no limite da vida, ainda não nascidos e contudo já putrescíveis.
Pelo visto, Rodolfo II, com suas estranhas manias e coleções, inspirou a arte de Arcimboldo. Nas salas desse imperador que Arcimboldo contribuiu para enriquecer com seu talento, tinham vermes enormes, anões, gigantes, escorpiões, gêmeos siameses, pedras mágicas, aparelhos mágicos, labirintos, instrumentos musicais, relógios, fósseis de animais e plantas, instrumentos ópticos, espelhos de toda sorte, curiosidades da Índia, da China ou do Peru.
Os Habsburgos, patronos do pintor, tinha gabinetes de arte e de curiosidades, onde eram colocados objetos estranhos. Tudo o que espantasse e fizesse refletir; esses gabinetes tinham qualquer coisa dos laboratórios de Fausto e de Caligari.
Para o século de Arcimboldo o monstro era uma maravilha.
A maravilha, ou o monstro, é essencialmente o que transgride a separação dos reinos, mistura o vegetal e o animal, o animal e o humano; é o excesso enquanto muda a qualidade das coisas: é a metamorfose, que faz oscilar de uma ordem à outra.
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